A “Caranguejização” na Urbanização

tio gegeca (rogerio)
6 min readAug 20, 2023
Esboço de menos de 1 minuto do autor do que seria, à sua imaginação ou memória, um caranguejo: um bicho bem esquisito, a começar pelas suas dez patas.

Perdoem-me, mas gostei do conceito, que minha mente me jogou há alguns dias. A ideia da caranguejização. O termo correto seria carcinização, mas na construção de conceitos, caranguejização tem mais a ver com uma abordagem do planejamento urbano para leigos. Um dos maiores problemas de planejamento urbano é a falta de uma educação urbana. Sempre defendo a necessidade de uma pedagogia do urbanismo. A urbanização está cada vez mais presente na vida de todos, pois estamos cada vez mais urbanos neste mundo.

A reflexão surgiu do artigo “Why everything eventually becomes a crab”, de Sara Kiley Watson, publicado na revista Popular Science (ref: https://www.popsci.com/story/animals/why-everything-becomes-crab-meme-carcinization/). O texto trata do fenômeno em biologia evolutiva conhecido como “carcinização”. Este termo descreve o processo pelo qual diversas espécies de crustáceos, independentemente, evoluem para formas parecidas com caranguejo. Segundo o artigo, conforme especialistas das universidades de Harvard e da Florida International University, o formato de caranguejo evoluiu várias vezes em diferentes grupos de crustáceos. Por exemplo, caranguejos rei são parte de um grupo diferente chamado Anomura, também chamado de “falsos caranguejos”, apesar de terem uma forma parecida com as “verdadeiros caranguejos” (Brachyurans). Alguns cientistas estão atualmente estudando por que essa forma específica é tão prevalente. Este artigo também discute que a forma de caranguejo não é uma “forma final” na evolução. Os biólogos acreditam que a forma pode oferecer vantagens adaptativas, como a capacidade de colonizar novos habitats ou diversificar em novas espécies.

Os dois comentários reforçaram a minha relação entre a caranguejização e o planejamento urbano (falta de forma final e adaptação para a colonização e diversificação). Quase tudo no artigo me despertou para uma extensão da ideia de “carcinização” para o campo do planejamento urbano. Propondo, inclusive, o termo “caranguejização”, como uma metáfora para explorar como cidades diferentes estão convergindo em direção a formas e soluções urbanas semelhantes, possivelmente de modo desatento.

Poucas vezes vi ou percebi qualquer ideia, ou proposta, de educar as pessoas para compreenderem os processos em andamento nas cidades onde elas moram. Isso ajudaria mais os cidadãos do que as tradicionais doutrinações desde o ensino fundamental sobre direitos e garantias do cidadão. Desde criança a urbanização é apresentada na escola como coisa confusa e distante. Ou pior, dando a impressão de que a política e o planejamento urbano são feitos para o cidadão, de modo que esse cidadão não entenda o que está acontecendo. De certa forma, as pessoas não têm informações claras e simples para entender como as cidades funcionam. Não tem adiantado cobrar clareza e simplicidade no planejamento urbano, como faz a constituição federal e o estatuto da cidade até exige. Por exemplo, há uma exigência óbvia que planos diretores, entre outras medidas de planejamento urbano, sejam claros e fáceis de compreender. Mas, isso é simplesmente ignorado, como se fosse impossível. Até nessa falta de clareza há uma relação com a tal caranguejização no urbanismo.

Carcinização o termo correto, é elitista, cientificista, e poucos cidadãos haverão de relacionar esse termo da biologia evolutiva com uma má evolução das cidades. Se vamos falar de evolução, a caranguejização do urbanismo pode, muito bem, ser estendida metaforicamente a outros campos, inclusive, e neste caso especificamente, ao planejamento urbano. A ideia de que linhagens ou sistemas distintos evoluem para formas semelhantes pode ser análoga a como cidades, diferentes em tudo, podem evoluir para formas ou soluções urbanas tão parecidas. Podemos admitir que há problemas e pressões em comum entre as cidades, mas as soluções mais parecem copiar umas às outras do que a brotar como respostas analisadas e diagnosticadas em cada proposta, que deveria ser ao menos um pouco diferente para cada cidade diferente. As soluções até poderiam ser parecidas, mas deveriam ser especificamente adaptadas, diferenciadas, apesar de semelhantes. Por exemplo, formas semelhantes de transporte público, sistemas rodoviários, políticas de habitação ou de uso do solo surgindo quase iguais em diferentes cidades, com seus diferentes problemas.

É bom entender que a evolução tem diferentes velocidades, devido justamente às diferentes circunstâncias e peculiaridades locais. Assim como os processos de urbanização estão, geralmente, em diferentes estágios nas diferentes cidades, de diferentes escalas, e diferentes evoluções urbanas. Há algo de errado no ar, que me parece fácil de entender, e talvez, de resolver. Afinal, não é muito difícil para um cidadão médio reconhecer as pressões evolutivas nas cidades. E essa percepção poderia servir de ponto de partida para ajudar até mesmo os planejadores a antecipar tendências futuras e orientar a “evolução” urbana. Até porque nenhuma forma urbana é uma “forma final”, como ocorre com a forma de caranguejo, sempre em evolução. As cidades estão continuamente se adaptando e evoluindo com base em inúmeras variáveis, e não há razão plausível para elas acabarem ficando todas meio parecidas. Há outras reflexões a trazer para essa discussão ou comparação, não há?

Certamente, essa ideia inicial para uma discussão se estenderia a muitos outros pontos relevantes, além da simples comparação com caranguejos. Por exemplo, é possível citar:

Pedagogia do Urbanismo: Existe uma lacuna significativa na educação urbana. O cidadão comum raramente entende o que está acontecendo na sua cidade. Ainda mais difícil é compreender os processos _ como as coisas acontecem.

As cidades não têm um tamanho único e precisam de soluções personalizadas. Apesar de muitas cidades adotarem soluções semelhantes, é sabido que as soluções urbanísticas não são universais mente aplicáveis.

Diversidade e Velocidade da Evolução: Assim como ocorre na natureza, diferentes cidades estão em diferentes estágios de desenvolvimento e evoluem em diferentes velocidades. O planejamento deve ser flexível o suficiente para acomodar essa diversidade.

A clareza e a transparência: A comunicação clara dos planos de urbanização é fundamental para a participação cidadã. Terminologia técnica e jargão nunca devem excluir o público leigo.

O Engajamento do Cidadão: A compreensão das pressões evolutivas pode auxiliar os cidadãos a participarem de forma mais ativa no processo de planejamento, em vez de serem meros receptores passivos de decisões tomadas de cima para baixo, em termos complexos de compreensão.

O planejamento urbano não é só para urbanistas e arquitetos. Ele é intrinsecamente interdisciplinar e deve integrar conceitos de sociologia, psicologia, ecologia, economia e até mesmo biologia evolutiva.

Escala e Complexidade: A “caranguejização” pode ocorrer em diferentes escalas, do bairro à megalópole. Cada escala tem seus próprios problemas e oportunidades, e algumas soluções podem ser inválidas em outras escalas.

Com uma abordagem sistêmica e holística, podemos criar uma visão mais integrada do planejamento urbano para o cidadão comum. Isso tornaria as cidades mais adaptáveis e resistentes às mudanças rápidas que estamos vivendo em muitas áreas da vida. Isso poderia deixar as cidades mais criativas e menos copiadas. O melhor seria fazer as pessoas entenderem melhor como as cidades funcionam. Se não entendermos, não podemos copiar as coisas dos outros.

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