O Crescimento do Trabalho Inútil

tio gegeca (rogerio)
5 min readMar 27, 2024
Eis um esboço pelo Autor, de margem da sua caderneta. O título do desenho é, em inglês: “The Incredible Skulk is stalking”. Uma tradução ruim seria “O Incrível Espreitador está de tocaia”. A brincadeira só parece funcionar em inglês com o nome do Incrível Hulk, porque skulk e stalking referem-se a espreitar furtiva e covardemente.

Finalmente consegui ler o artigo original* do finado David Graeber**, que me fez refletir aqui sobre como estamos perdendo tempo, dinheiro, paciência, saúde, e pior: esperança.

O artigo de 2013, que se expandiu para o livro “Bullshit Jobs: A Theory” (2018), é importante por tratar de uma mudança no trabalho no século XX. Ele sugere que os avanços tecnológicos poderiam ter permitido uma redução significativa do trabalho, conforme previsto por John Maynard Keynes em 1930. Ao contrário, há uma proliferação do trabalho inútil e insatisfatório. Esta tendência não seria resultado de forças tecnológicas ou econômicas, mas devida às escolhas morais e políticas que favorecem a manutenção das estruturas de poder nas sociedades capitalistas.

Graeber ressalta o crescimento dos empregos para profissionais de gestão, administrativos, de vendas e de serviços, que a despeito da promessa, não se traduziu em aumento da produtividade ou do bem-estar. Em vez disso, levou a uma situação em que uma grande parte da força de trabalho sente que os seus empregos não têm sentido. Não há necessidade econômica disso. Isto resulta de uma estrutura social que valoriza o trabalho pelo trabalho e mantém uma classe de trabalhadores cujos papéis consistem mais em defender um sistema que beneficia os ricos e poderosos, do que em contribuir para o bem-estar dos cidadãos. Trata-se da nossa sociedade em geral.

Graeber quis questionar implicações mais amplas destas tendências para a saúde moral e espiritual da sociedade. Para ele, os “empregos de merda” desperdiçam o potencial humano, e reforçam as desigualdades sociais e econômicas. Manter as pessoas ocupadas com trabalho desnecessário, impede-as de se envolverem em atividades mais significativas, criativas ou revolucionárias. Ele liga a proliferação de empregos desnecessários à erosão da liberdade. Sobretudo à erosão da liberdade acadêmica, que ele enfrentou, como a maioria dos professores universitários que conheço, não pode negar, que ocorre não só em universidades particulares, mas, para surpresa de ninguém, especialmente em universidades públicas.

O artigo cita relatórios de pesquisas recentes que comparam o emprego nos EUA entre 1910 e 2000, mas é provavelmente um consenso ao longo do século XX, o número de trabalhadores caiu, em relação aos “profissionais, de gestão, de escritório, de vendas e de serviços” triplicaram, crescendo “de um quarto para três quartos do emprego total”, incluindo as massas trabalhadoras na Índia e na China. Na minha experiência pessoal como professor universitário, minha impressão é a de que demitiram, ou diminuíram o trabalho (e os ganhos) de professores e pesquisadores, enquanto usaram esses recursos com novos postos e ganhos de funções ligadas ao marketing, eventualmente privilegiando professores que falassem mais de marketing, do que de conhecimento e criatividade.

Graeber identifica uma ampla perda de liberdade na economia, e realça sua preocupação com as formas como as estruturas institucionais e econômicas limitam a agência e a criatividade individuais. Ele vê a expansão das funções gerenciais e administrativas como sintomática de uma sociedade que prioriza o controle e a conformidade em detrimento da inovação e da produtividade genuína. Sua análise repercute não só em professores universitários, mas em muitos que se sentem desiludidos com o ambiente de trabalho contemporâneo e questionam os valores sociais que o sustentam. O seu trabalho, em muitos outros livros, convida-nos a reconsiderar o que valorizamos como sociedade e como podemos organizar o trabalho e a vida econômica para melhor servir as necessidades e potenciais humanos. Na minha percepção pessoal sequer me parece aconselhável citar uma dissimulada e assustadora erosão da liberdade em relação ao conhecimento consolidado, e mais especialmente em relação a reflexões especulativas.

Em muitos casos é possível, mas não é necessário desenvolver extensas análises históricas _ por exemplo sobre o crescimento do trabalho inútil, face aos avanços tecnológicos, econômicos e sociais. Tampouco vale a pena explorar os impactos psicológicos do trabalho inútil na saúde mental dos trabalhadores, na satisfação com a vida e na coesão social. Imaginem as perspectivas econômicas negativas em relação à produtividade efetiva (prometido x efetivamente ocorrido), incluindo a análise de como os empregos inúteis afetam a inovação e a competitividade. Mais difícil, e talvez inútil na prática, seria refletir sobre alternativas e soluções para reduzir ou eliminar o trabalho inútil. Me parece desesperançoso propor uma reavaliação dos valores sociais em torno do trabalho, ou pior, uma reestruturação do mercado de trabalho para enfatizar empregos com propósito claro e benefício social.

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